Causas de nulidades
Cân. 1095,1: São incapazes de contrair matrimónio os que carecem do uso suficiente da razão.
Refere-se à falta de suficiente uso da razão. A perda do uso da razão pode ser de modo total ou transitória. No primeiro caso as anomalias havidas a partir do nascimento (os “loucos”) ou enfermidades mentais ou patológicas adquiridas. No segundo caso as originadas pelo abuso de medicamentos (drogas) ou álcool.
Exemplos:
José, demandado in causa, no momento da celebração estava dopado por um medicamento ou entorpecentes; Antonio, demandado in causa, estava completamente embriagado no dia da celebração do seu casamento e não sabia o que está fazendo.
Título canônico para a causa: Incapacidade de contrair matrimônio por carecer do uso suficiente da razão por parte do demandado.
Cân. 1095,2 — São incapazes de contrair matrimónio os que sofrem de defeito grave de discrição do juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimônio, que se devem dar e receber mutuamente;
Um ou ambos os nubentes não conseguem compreender a profundidade e o alcance das obrigações essenciais do matrimônio (indissolubilidade, abertura à vida, fidelidade, comunhão de vida, etc.). Neste cânon, é comum se alegar a imaturidade (não é fácil julgar sem a ajuda de um especialista), a dependência afetiva (dependência excessiva em relação à mãe, ao pai ou alguém que esteja cumprindo papel análogo) e a falta de liberdade interna.
Exemplos:
*Josefa, demandante in causa, casou, mas não conseguiu cortar o cordão umbilical. Toda vez que seu esposo chegava do trabalho ela estava na casa de seus pais. Não tomava nenhuma decisão sem a opinião dos seus genitores. Ele queria ser pai, mas a mãe dela dizia que não era o momento. Ela sempre seguiu os conselhos de sua mãe e era dependente afetivamente em tudo.
Título canônico para a causa: Grave falta de discrição de Juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do matrimônio, na forma da dependência afetiva, por parte da demandante (1095,2).
*José, demandante in causa, com 17 anos, casou com Joana, demandada in causa, com 16 anos. Depois de celebrado o casamento foram morar na casa dos pais dele. José não tinha maturidade para casar. Sempre agiu como criança. Depois de casados vivia como solteiro. Não tinha nenhum compromisso com o matrimônio. Ela nada fazia em casa. Ficava na rua com as amigas adolescentes. Ambos eram sustentados pelos pais e José não queria saber de trabalhar. Foram morar em uma casa alugada. Tudo piorou. Ele vivia mais com os amigos do que com a esposa, e Joana na casa dos pais.
Título canônico para a causa: Grave falta de discrição de Juízo a respeito dos direitos e deveres essenciais do matrimônio, que se devem dar e receber mutuamente, imaturidade, por parte do demandante e da demandada (1095,2).
*Flavio, demandante in causa, namorava com Carla, demandada in causa. O namoro não ia bem. Flávio resolveu terminar. Carla ameaçou se matar caso Flávio terminasse o namoro e não se casasse com ela. Flávio estava muito ligado afetivamente à Carla e a família dela. Não queria que algo de ruim acontecesse, pois se sentiria culpado pelo resto de sua vida. Flávio tomou a decisão de não terminar o namoro e casar com ela. O fato da ameaça de suicídio tirou de Flávio sua liberdade interior e sua autodeterminação de decidir livremente pelo matrimônio.
Título canônico para a causa: Grave falta de discrição de Juízo a respeito dos direitos e deveres essenciais do matrimônio, que se devem dar e receber mutuamente, falta de liberdade interna, por parte do demandante (1095,2).
Cân. 1095,3 - São incapazes de contrair matrimônio os que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimônio.
Desvio de personalidade que impede uma ou ambas as partes de levar uma autêntica e fecunda comunhão de vida. São os casos dos distúrbios de natureza psíquica e/ou sexual. Incluem-se ainda sob o mesmo titulo o ciúme doentio (visto que se torna muito difícil a um(a) consorte viver com alguém que repete várias vezes por dia, sem fundamento: "Estou certo(a) de que tu me enganas") e os estados obsessivos, que resultam de ideias fixas, neuroses e outras perturbações mentais.
Exemplos:
*Paulo, demandado in causa, durante o namoro era dado a bebida alcoólica, mas não chegou a atrapalhar o namoro. Durante o noivado suas bebidas se acentuaram. Joana, demandante in causa, achava que depois de casados Paulo deixasse um pouco a bebida. Depois de casados, as bebidas de Paulo pioraram a ponto dele perder o emprego. Já não conseguia passar um dia sem beber. O dinheiro que ganhava era para comprar bebidas.
Título canônico para a causa: Incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio por alcoolismo por parte do demandado (c.1095,3)
*Flávio, demandado in causa, era ex-dependente de drogas. Por se achar curado resolveu casar com a primeira pretendente. Conheceu Josefa, demandante in causa, e falou de toda sua vida. Queria ser uma nova pessoa ao lado dela. Depois de casados, ele voltou a usar drogas. Não houve harmonia no lar por conta da sua dependência às drogas.
Título canônico para a causa: Incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio, uso de drogas, por parte do demandado (c.1095,3)
*Joana, demandante in causa, depois de quatro anos de casada descobriu que Flávio, demandado in causa, tinha um distúrbio sexual. Tal distúrbio já vinha desde a época do namoro. Deixou joana para viver ao lado de uma pessoa do mesmo sexo.
Título canônico para a causa: Incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio, homossexualismo, por parte do demandado (c.1095,3)
Cân. 1097,2 — O erro acerca da qualidade da pessoa, ainda que dê causa ao contrato, não torna inválido o matrimónio, a não ser que direta e principalmente se pretenda esta qualidade.
Um dos cônjuges está visando à qualidade e não ao sacramento do matrimônio em si, em outras palavras, o cônjuge está casando com a qualidade direta e principalmente visada por ele. Depois de casados, não encontrando essa qualidade, vem a separação. Não se trata de uma qualidade com relação a personalidade de uma pessoa, mas uma qualidade visada, pretendida.
Exemplo:
*Paulo, demandante in causa, quer casar com uma mulher virgem. Encontra Tereza e pensa ser ela uma mulher casta. Depois de casado, descobre que ela não era virgem. A separação se deu porque Paulo não encontrou, depois de casado, em Tereza a qualidade que ele buscava, ou seja, a virgindade.
Título canônico para a causa: Erro de pessoa direta e principalmente visada sofrido pelo demandante (c.1097,2)
Pistas de indagação para o conselheiro: Qual a qualidade que visava no seu futuro cônjuge? Quando e em que momento da vida conjugal descobriu que ele não tinha essa qualidade? Até que ponto essa descoberta prejudicou a vida conjugal? A separação se deu porque não encontrou no cônjuge a qualidade desejada?
Cân. 1098 — Quem contrai o matrimônio, enganado por dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade da outra parte, e essa qualidade, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consorcio da vida conjugal, contrai invalidamente.
O dolo deve ser cometido para induzir o outro ao matrimônio. É a vontade deliberada de induzir ao erro, de esconder algo do outro. É necessário que se trate de um engano. Ocorre, também, quando a pessoa, ciente e voluntariamente, finge uma determinada qualidade só para obter o consentimento da outra. Se a ação dela decorrente não corresponde à verdade, presume-se o dolo. Pouco importa que o engano tenha sido provocado e partido de uma das partes ou por outra pessoa.
Exemplos:
*Depois de casados, Joana, demandante na causa, descobriu que Carlos, demandado na causa, tinha um filho com outra mulher. Joana não aceitou de forma alguma ter sido enganada, pois queria ter casado com um homem sério e fiel. Joana pediu explicações. Carlos disse que temeu contar a verdade com receio de que o casamento não pudesse acontecer. A descoberta do filho perturbou a vida conjugal do casal.
Título canônico para a causa: Dolo sofrido pela parte demandante (c.1098)
*Maria, demandante na causa, sempre desejou a maternidade. No namoro falava isso claramente para Paulo, demandado in causa. Depois de casados e com várias tentativas de engravidar, Maria descobriu que ele era estéril. Ele omitiu a esterilidade porque não queria perder Maria. A situação perturbou gravemente a vida conjugal. Maria não aceitou ter sido enganada.
Título canônico para a causa: Dolo sofrido pela parte demandante (c.1098)
Cân. 1103 — É inválido o matrimônio celebrado por violência ou por medo grave, incutido por uma causa externa, ainda que não dirigido para extorquir o consentimento, para se libertar do qual alguém se veja obrigado a contrair matrimónio.
Violência ou coação é uma força estranha ao sujeito que o obriga a realizar atos contra a sua vontade. Pode ser física (se incide sobre o corpo) ou moral (se incide sobre o ânimo - ex.: ameaça de morte, vingança, denúncia, etc.). Há também o medo reverencial que é provocado por aquele que guarda uma relação de superioridade com uma das partes, por exemplo: o pai, a mãe, um irmão mais velho, um patrão. O medo reverencial fica evidenciado em algumas situações como, por exemplo, de ameaças de perda de herança, de expulsão do lar, etc.
Exemplos:
*Paulo, demandante in causa, manteve relações sexuais com Joana, demandada in causa. O genitor de Joana disparou: se não casar com minha filha vai casar com a minha pistola. Com medo de ser morto Paulo casou com Joana. O casamento durou até o momento em que o pai de Joana estava vivo. Com a morte do pai veio a separação.
Título canônico para a causa: Coação sofrida por parte do demandante (c. 1098)
*Carlos, demandante na causa, namorava com Joana, demandada in causa. A mãe de Carlos tinha joana como filha. Carlos não querendo desagradar sua mãe, que pedia com insistência que ele casasse com joana, não teve outra saída senão fazer a vontade de sua mãe.
Título canônico para a causa: Medo reverencial sofrido por parte do demandante (c. 1098)
Cân. 1101,1 — se uma ou ambas as partes, por um ato positivo de vontade, excluírem o próprio matrimónio ou algum elemento essencial do matrimónio ou alguma propriedade essencial, contraem-no invalidamente.
O consentimento das partes, sem o qual não há matrimônio, é um ato de vontade; não havendo esse ato de vontade de contrair matrimônio, não há matrimônio, mesmo que externamente se declare haver essa vontade. É a simulação: a vontade rejeita o que afirma com as palavras, ou seja, os lábios dizem uma coisa, mas se pensa e se quer o contrário do que se diz. A simulação é total ou parcial. É total quando recai sobre a essência do matrimônio, ou seja, exclui todo o matrimonio com suas propriedades e elementos essenciais.
Exemplos:
Paulo, demandante na causa, engravidou Joana. Os pais disseram que ele tinha que casar. Ele disse que casava, mas não viveria ao lado dela. Depois da cerimônia cada um foi para o seu lado e nunca conviveram juntos.
Título canônico para a causa: Exclusão do próprio matrimônio por parte do demandante (c. 1101,1)
*José, demandante na causa, recebeu a noticia que seu pai deixaria a presidência da empresa se ele casasse com Joana. Ele já não amava Joana o suficiente para casar, mas não quis deixar passar essa oportunidade. Ele casa com Joana e obtém a presidência da empresa. Com poucos meses vem a separação.
Titulo canônico para a causa: Exclusão do próprio matrimônio por parte do demandante (c. 1101,1)
A simulação é parcial quando se exclui uma das suas propriedades (unidade e/ou indissolubilidade) ou elementos essenciais (fidelidade, prole, comunhão de vida, débito conjugal). Vejamos os exemplos, a fundamentação jurídica e no final um breve comentário.
Exemplo 1.
Matuzael, demandado na causa, casou no religioso com Francinalva, demandante na causa, e tiveram uma filha. Com um ano de casados, Francinalva descobriu que Matuzael vivia com outra mulher e com ela tinha um filho de dois anos.
Titulo canônico para a causa: Exclusão de uma propriedade essencial do matrimônio, a unidade, por parte do demandado (c. 1101,1)
Exemplo 2.
Matuzael, demandado na causa, casou com Francinalva, demandante na causa, por insistência de um amigo. Ele resolveu casar na Igreja, mas, logo dizendo que se não desse certo se separava. Casamento, dizia Matuzael, era somente até o momento em que a relação estivesse boa e não existia essa coisa de casamento para sempre.
Titulo canônico para a causa: Exclusão de uma propriedade essencial do matrimônio, a indissolubilidade, por parte do demandado (c. 1101,1)
Exemplo 3.
Flávio, demandante na causa, casou com Juliana, demandada na causa. Depois de casados Flávio passou a viver como se fosse solteiro. Quase não era presente em casa. Não era um esposo atencioso e carinhoso. Todos os finais de semana ele saia com os amigos para farras. Ia trabalhar cedo e nunca tomavam café juntos. Saia cedo do Trabalho mais somente chegava tarde em casa. Tinha dias que jantavam juntos, mas na maioria das vezes ele chegava, tomava banho e ia dormir. Juliana somente existia quando era para manter relações sexuais com ele. Por conta dessa situação a vida conjugal foi recheada de atritos até a separação final.
Título canônico para a causa: Exclusão do elemento essencial do bem dos cônjuges por parte do demandante (c.1101,2)
Breve Comentário: Exclui a comunhão de vida (Bem dos cônjuges) aquele cônjuge que nada faz para manter relacionamento conjugal pautado no companheirismo, do assumir juntos as alegrias e as tristezas da vida em comum, do saber-se suportar, compreender, amar, perdoar, do empenhar-se em tudo fazer para que nada falte ao bem- estar material e espiritual do casal e filhos.
Exemplo 4.
Flávio, demandado na causa, antes de casar com Juliana, demandante na causa, já tinha fama de namorador, inclusive, chegou a ser infiel no namoro. Juliana perdoou-o. Na esperança de que ele fosse fiel no casamento, Juliana resolveu contrair núpcias. Depois de celebrado o casamento, Flavio passou a se envolver com outras mulheres. Foram dois anos suportando as infidelidades dele. Como não houve mudança ela resolveu se separar.
Titulo canônico para a causa: Exclusão de um elemento essencial do matrimônio, a fidelidade, por parte do demandado (c. 1101,1).
Breve comentário: Excluiu o elemento essencial da fidelidade aquele cônjuge que antes do matrimônio se envolve com outras mulheres e que depois de casado permanece com a mesma conduta porque casou determinado a negar a(o) companheira(o) o direito exclusivo aos atos conjugais, reservando-se o direito de manter relações sexuais fora do casamento com outras pessoas. Contudo, devemos distinguir entre a infidelidade, fruto da tentação em que cai um dos cônjuges depois de casado e por motivos diferentes, e a infidelidade à qual já se está predisposto antes de casar. Diferente é uma pessoa que casa e nunca se envolveu em caso de infidelidade na época do namoro nem noivado, mas somente depois de um ano de casados praticou o adultério. Adultério não é causa de nulidade matrimonial.
Exemplo 5.
Durante o namoro Juliana, demandada in causa, sempre desejou ter filhos e conversava abertamente tal desejo com Flávio, demandante in causa. Depois de celebrado o casamento, Juliana planejou ter filhos somente depois do seu mestrado, ou seja, depois de 3 anos. Depois de terminar o mestrado Juliana já não queria ter filhos porque não queria deformar seu corpo. Era desejo de Flávio ser pai. Como Juliana já estava decidida a não engravidar veio a separação do casal.
Titulo canônico para a causa: Exclusão de um elemento essencial do matrimônio, a prole, por parte do demandado (c. 1101,1).
Breve comentário: Excluiu a prole aquele que casa predisposto a não querer filhos. Essa vontade deve ser manifestada por palavras, antes de celebrado o casamento religioso, ou por meio da conduta assumida dentro do matrimônio, utilizando-se de todas as formas para evitar a prole.
Exemplo 6.
Depois de celebrado o casamento foram para a noite de núpcias. Juliana, demandada na causa, se recusou a manter relações sexuais com Júlio, demandante na causa. A consumação se deu depois de três dias que voltaram da lua de mel, depois de muita insistência. Depois de consumado o matrimônio, eles passaram três semanas para manter a segunda relação sexual, com muita insistência de Júlio. Depois disso, as relações sexuais somente se davam praticamente uma vez por mês e com muitas brigas. Com um ano de casados veio a separação.
Titulo canônico para a causa: Exclusão de um elemento essencial do matrimônio, débito conjugal, por parte do demandado (c. 1101,1)
Breve comentário: O que se aceita e se outorga na aliança matrimonial é o constituir-se como esposos, isto é, a entrega e acolhida de cada um ao outro na sua dimensão sexuada: como partícipes dela. E é justamente isto que faz nascer o vínculo conjugal.
Cân. 1101,1 — se uma ou ambas as partes, por um ato positivo de vontade, excluírem o próprio matrimónio ou algum elemento
Condição é uma circunstância ou fato determinado de cuja verificação se faz depender um ato da vontade; não se pode casar sob condição de futuro.
Exemplo:
Tereza, demandante na causa, falou para Paulo, demandado na causa, que somente casaria com ele na condição de morar na casa dos pais dela. Depois de casado, Paulo aluga um apartamento para os dois morarem. Tereza não aceita porque a condição dada era que casados residiriam na casa dos pais dela.
Titulo canônico para a causa: Condição não cumprida pelo demandado (c. 1101,1)